Journal archives for June 2024

June 3, 2024

Cerrado em Itirapina, São Paulo

19 - 20 de Maio de 2023 Morro testemunho

À distância, um morro testemunho, sustentado por rochas vulcânicas Jurássico-Cretáceas. Esse morro é um pedaço que sobrou e, formado por rocha resistente, se destaca sobre os sedimentos do paleodeserto Botucatu.

A vegetação do Cerrado, com uma temporada úmida e outra seca, forma aqui latossolos vermelhos com profundezas de dezenas de metros. Nesses locais, a fisionomia campestre do Cerrado (um Campo Sujo nesse caso) se desenvolve lindamente. As plantas apresentam adaptações a essas condições, como sistemas radiculares muito profundos ou até caules completamente subterrâneos (Attalea e Andira humilis). Assim, as plantas podem buscar água nos lençóis freáticos profundos. Essa última é também uma adaptação para o fogo endêmico desse tipo de vegetação. Os frutos de Kielmeyera apresentam outra adaptação: suas cascas são resistentes ao fogo, que promove a germinação das sementes após as queimadas.

A vegetação da Estação Experimental Itirapina é classificada em 3 fitofisionomias de Cerrado: Cerradão, Campo Sujo, e Campo Úmido. Isso é diferente do que descrevem Tannus & Assis (2004), que não fala do Cerradão. Essa última se desenvolve próximo à Represa do Broa, em solos não alagáveis.

Viajei para essa localidade com o curso "Estruturas Reprodutivas de Angiospermas". Lá, estudamos a biologia reprodutiva de 10 espécies que estavam florindo neste momento. Meu grupo estudou em profundidade Cuspidaria pulchra, uma liana bignoniácea que se desenvolvia sobre as árvores da mancha de Cerradão. As espécies principais da área eram Xylopia aromatica, Dalbergia sp., Rapanea sp. e Moquiniastrum spp. . Observamos 3 indivíduos com várias inflorescências abertas, sendo que as inflorescências mais altas tinham mais flores (apesar de menos porcentagem aberta). Coletamos amostras e monitoramos visitantes florais por uma hora: observamos uma Polybia ignobilis realizando polinizações legítimas, uma abelha Oxaea sp. roubando néctar de flores ainda fechadas e uma Meliponini não identificada visitando flores já secas (não entendemos o que ela estava fazendo).

Observamos também a morfologia polínica, em Microscopia Eletrônica de Varredura. O pólen de Cuspidaria pulchra é disperso em mônade, que tem formato esférico-piriforme (portanto heteropolar) com razão L/E ~1. Ele é dotado de 3 colpos alongados longitudinalmente (lolongados), que não se fundem no ápice, sendo que as regiões entre esses colpos são lobos protuberantes. A abertura é psilada, sem nenhum tipo de opérculo ou conexões de exina, e no centro do colpo existe uma região com textura diferenciada, que pode ser o começo de uma germinação, um artefato ou uma característica única da espécie. A textura do grão como um todo é rugosa, mas sem nenhum tipo de estrutura bem definida. Com coloração Lugol e com Sudan-Black pudemos verificar que seu tipo de reserva é lipídica (Sudan-Black +). Essas características não são esperadas para o gênero Cuspidaria, pois Lohmann descreve como sinapomorfia a dispersão do pólen em tétrade.

. Um outro dado interessante está relacionado à ecologia comparada de outras lianas de savanas tropicais. Os dados de biologia reprodutiva de C. pulchra são similares aos de Mansoa hymenaea, Gmelina asiatica e Hewittia malabarica, que são lianas polinizadas por vespas e abelhas e nativas de savanas no México e Tailândia, respectivamente. desenho C_pulchra> <p>

Posted on June 3, 2024 04:22 AM by luisfelipe4 luisfelipe4 | 24 observations | 0 comments | Leave a comment

Depressão Periférica Paulista - Cesário Lange SP

colinas cesario

Colinas baixas e preguiçosas, cobertas por solos distróficos: Argissolos Vermelho-Amarelos (profundos e lixiviados) e Cambissolos típicos (pouco desenvolvidos e com características da rocha original).

Esses solos provavelmente suportavam uma vegetação de Mata Estacional Semidecidual, como evidenciado por alguns exemplares de Tapirira guianensis e Alchornea triplinervia encontrados. Hoje em dia porém, sobraram poucos fragmentos e o que se vê são extensos monocultivos de milho e cana. Sem a cobertura de serrapilheira da floresta, a pequena camada de húmus que protegia o solo é rapidamente perdida e ele fica quase sem nutrientes. Nesse cenário, a fertilização intensa é necessária, que por sua vez lixivia a pequena lagoa adjacente à propriedade.

Posted on June 3, 2024 04:50 AM by luisfelipe4 luisfelipe4 | 8 observations | 0 comments | Leave a comment

June 14, 2024

Escarpa Devoniana - Castro, PR

29 de Novembro de 2023

Na Rodovia Guataçara, ocorre o contato entre as formações do Grupo Iapó e Paraná (as rochas mais antigas da Bacia do Paraná, compostas de arenitos e conglomerados) e as rochas do Grupo Castro, formadas por basaltos e piroclastitos. Isso gera, além de uma imponente escarpa de arenitos mais resistentes, uma diferença importante na vegetação.

escarpa devoniana desenho

De acordo com o mapa de solos do Paraná, a parte alta se classifica como um Neossolo litólico, raso e com muitas características da rocha mãe (que no caso é quase desprovida de nutrientes); enquanto isso, a parte baixa é um Cambissolo húmico, muito rico em matéria orgânica (apesar de Distrófico). O clima é úmido, e fomos acompanhados durante a caminhada de uma garoa fina e cortante.

Na parte baixa (piedemonte), se vê uma mata de Araucária (Ombrófila mista) bem desenvolvida, com grandes indivíduos de A. angustifolia e outros gêneros como Cedrela e algumas Lauraceae. Porém, na parte alta, se desenvolve só uma vegetação rasteira, que nunca chega a 2m de altura. Os elementos que vi neste ponto tinham conexões com os Pampas e os Campos rupestres da Mantiqueira/Espinhaço. Isso é interessante pois muitas fontes (por exemplo o WWF) classificam toda essa região como uma mancha de Cerrado; talvez faça mais sentido considerar-se um campo rupestre.
Algumas espécies inclusive são encontradas também nos Andes! Por exemplo, Clethra scabra está presente nas regiões de Yunga altimontana do Perú e Bolívia.

Posted on June 14, 2024 04:31 AM by luisfelipe4 luisfelipe4 | 19 observations | 2 comments | Leave a comment

June 16, 2024

APA do Rio São João

2023.

Em dois momentos de 2023, visitei a APA no Leste do Rio de Janeiro, e uma característica que me chamou a atenção foi a presença de dois "níveis" na região. Um primeiro, mais baixo (<20m acima do nível do mar), é uma planície de inundação com influência fluvio-marinha, formada por sedimentos recentes arenosos e os solos provenientes deles (Neossolos, Argissolos e Latossolos). O outro nível, mais alto, é formado por morros cristalinos isolados, formados por rochas do Mesoproterozoico. A composição é típica do planalto cristalino no Sudeste, mas aqui eles estão muito mais dissecados. Dão origem a Cambissolos e Latossolos.

A planície de inundação, correlata àquela onde se desenvolve o centro do Rio de Janeiro, foi vista por Ab'Saber como uma evidência de um aumento do nível do mar no Holoceno inferior. De fato, isso explicaria a natureza dos sedimentos e o quão arrasados estão os morros. É fácil imaginar essa área totalmente alagada, cada morro sendo uma pequena ilha.

Na parte alta (Parque Ecológico Mico Leão Dourado), a vegetação era típica de Mata Atlântica, com grandes Lecythidaceae, Fabaceae Moraceae e Malvaceae. Nas bordas dos fragmentos de mata, grandes concentrações de palmeiras (notoriamente Astrocaryum aculeatissimum) e grandes lianas lenhosas. Parecia haver alguma diferença entre sítios com declividades muito grandes e o resto.

Interessantemente, a vegetação não varia tanto, e na parte baixa (em Poço das Antas) havia um indivíduo de Jequitibá com >30 m de altura, além das mesmas famílias típicas da Mata Atlântica fluminense. O Rio São João é um correguinho preguiçoso com canal raso e que quase não mexe seus sedimentos, herdados de uma época anterior. Nos locais onde passava esse curso d'água, se desenvolvia alguma vegetação mais típica de solos arenosos, como Cyperus sp..
Já na ReBio União, alguns pontos contavam com turfeiras de metros de profundidade. Aí, se desenvolvia uma vegetação de pântano, dominada por Heliconia sp.

turfeira rebio_uniao
desenho APA_SJ

Posted on June 16, 2024 05:28 AM by luisfelipe4 luisfelipe4 | 29 observations | 0 comments | Leave a comment

June 17, 2024

Yucatán pt.1

28 a 31 de Dezembro de 2024

Tenho que agredecer a meus tios, Flávia e Alexandre, por me darem a oportunidade de conhecer esse lugar incrível. Por mais que o clima seja muito similar àqueles encontrados no Sudeste brasileiro, a geologia da região gera um ambiente completamente distinto.

Em primeiro lugar, Yucatán é um subcontinente: se trata de uma pequeno cráton, embasado por rochas intrusivas e metamórficas do Paleozoico ao Triássico (o Bloco Maia ou de Yucatán). O bloco estava encaixado entre a América do Sul e do Norte durante o Pangeia, juntamente com o bloco das Bahamas e o de Nicaragua-Honduras. Durante a separação do supercontinente, todos esses blocos menores formaram ilhas ou plataformas marinhas rasas, e só no Cretáceo formaram a cadeia continental contínua que formam hoje, eventualmente se juntando com a América do Sul no Cenozóico.
Ao longo de todo esse tempo, esse embasamento foi soterrado por sedimentos marinhos de águas quentes (carbonatos e algumas lamas), com uma abundância incrível de fósseis. É esse terreno plano e carbonático que foi herdado para a península hoje em dia, e define a maioria de suas características marcantes.

Talvez a característica que mais diferencie essa região do resto dos trópicos úmidos no mundo inteiro seja a ausência de rios. Como os carbonatos tem uma drenagem excelente, toda água da chuva (que não é pouca - 1000-1500 mm anuais) se infiltra para o subsolo, formando imensos e lindos sistemas de cavernas. Essas águas subterrâneas formam um lençol freático abundante e só afloram para a superfície nos locais onde essas cavernas colapsam e formam os famosos cenotes.

A água em Yucatán reina absoluta. Lá nenhuma rocha oferece resistência ao mar ou à chuva, e ela pode desenvolver todos seus caprichos estalagmíticos no próprio ventre da península. Talvez os carbonatos tenham saudades do oceano primordial onde foram formados, e abram os braços para receber calorosamente sua geradora. Na superfície, o fluxo subterrâneo e secreto da água sem avisar molda as vegetações da península, e mantém ao longo dos milênios o terreno tão plano quanto o próprio mar. Os maias, ainda muito presentes na península, dizem que o deus da chuva – Chaac, o narigudo – vive nas cavernas e cenotes.

Visitando as ruínas de Cob-ha (água turva em maia), tivemos o privilégio de ser acompanhados por Cen, agricultor que trabalha como guia turístico nas temporadas altas. Ele nos ensinou sobre a diversidade de plantas na região e todos os seus muitos usos tradicionais, além da história do povo maia e de sua relação com os espanhóis. Ele contou como a maior parte das cidades maias foi abandonada até o século XIII, e a maioria já vivia em pequenas fazendas na floresta. Isso facilitou muito a resistência contra a aculturação espanhola, pois os pequenos poblados selváticos eram difíceis de controlar e controlar.
Queria registrar algumas informações interessantes que ele nos compartilhou:

  • O Ceibo (Ceiba pentandra , el Yaxché) é a árvore sagrada dos maias. Assim como o baobá (da mesma subfamília), os galhos parecem raízes e isso é significado como uma conexão entre o sobremundo e o submundo (Caan e Xibalba).
  • O Tsitsilché (Gymnopodium floribundum) é a árvore que produz o melhor mel. Cen é meliponicultor e diz que o mel é tão bom que ele nem vende, fica só para ele. O mel é produzido pelas abelhas soncuán chele (Scaptotrigona pectoralis) e jicote (Melipona beechei), com técnicas tradicionais. Além disso, o mel é usado para fazer um licor maia, o xtabentún, e era um símbolo de troca – casas de troca (Chaibé, que eram torres de vigilância, aduanas e mercados) eram construídos em forma das colmeias dessas Meliponini.
  • O chechén (Metopium brownei) tem uma seiva muito tóxica e só encostar na sua casca já gera queimaduras na pele. O melhor antídoto é a cortiça do chacán (Bursera simaruba). Felizmente, essas duas árvores crescem sempre juntas!! em alguns casos tão coladas que pareceriam rebrotes de uma mesma árvore (se não fosse pela casca vermelha descamante do chacán). Durante a conquista, os maias sistematicamente cortavam o chacán, para que os espanhóis se queimassem e não pudessem se curar.
  • Os livros maias eram feitos usando o copó (Ficus estranguladoras), mas todos eles foram queimados em 1562, com exceção de dois que foram roubados e hoje estão na Europa.
  • A bola do jogo-ritual maia Poctapoc era feita da resina de caucho (Castilla elastica). A bola era pesada e maciça, de difícil manuseio, e por ser inflamável era incendiada durante os jogos noturnos.

El Cenote Sagrado

Posted on June 17, 2024 03:35 AM by luisfelipe4 luisfelipe4 | 41 observations | 0 comments | Leave a comment

Yucatán pt. 2 - Vegetação

vegetacoes Yucatan

1-4 de Janeiro de 2024
Yucatán foi um ótimo lugar para aprender sobre as sutis diferenças que o solo e o clima podem causar na vegetação. A mata de "terra firme" é quase sempre dominada ou por oje (Brosimum alicastrum) ou por zapote (Manilkara zapota). Porém, há alguns outros elementos bastante importantes, como yuy (Vitex gaumeri), figueiras, tsalam (Lysiloma latisiliquum), muitas espécies de palmeira-leque, chechén e chacán (ver última entrada).

De acordo com a literatura, essa mata tem uma variação na península: o bosque yucateco seco. Essa diferença não está relacionada com a quantidade total de precipitação, mas a sua sazonalidade. Como os solos têm uma filtragem excelente, as águas da temporada úmida se esvaem rapidamente e, como a temporada seca no Norte da península é mais marcada e longa, só as espécies que conseguem resistir a vários meses sem água sobrevivem. Espécies comuns, segundo a WWF, incluem o tsalam e o ja'abin (Piscidia piscipula), bakal-ché (Cordia alliodora), e vários cactos ( mas eu não vi nenhum :/ ). Esse é o tipo de vegetação das ruínas de Chichen-Itzá

A Reserva de la Biosfera Sia Ka'an (que em maia quer dizer "presente dos céus") é um ótimo exemplo dos tipos de vegetação na interface terra-mar. No nível onde começam a aflorar as águas subterrâneas do vasto complexo de cavernas de Yucatán, ocorrem muitas vezes solos alagados constantemente (Gleissolos) que suportam a "sabana húmeda", dominada por gramas, orquídeas e o k'an-chik'-inche (Conocarpus suberosus) como único arbusto. Esse era um terreno bastante difícil de atravessar e por isso os maias construíram uma rede de canais navegáveis entre as lagunas. Não sei o porquê, mas em algumas áreas se observava uma floresta alagada, com Sabal mauritiformis e Ficus adaptadas a esse tipo de solo.

As lagunas recebem tanto água subterrânea da terra firme quanto água do mar, mas também são dotadas em geral de cavernas debaixo delas. Essas cavernas por vezes colapsam e dão origem a grandes buracos redondos no fundo das lagunas. Algumas, como a laguna Muyil, são formadas inteiramente por um desses colapsos. Entre essa interface de savanas e lagunas, há alguns "petenes" (em maia, círculos), de terra mais alta e não inundável, que são usados como fontes de água. Eles podem ser reconhecidos à distância pela presença de palmeiras como Cocos nucifera, Thrinax radiata e Acoelorraphe wrightii, que não suportam solos alagados. Esses petenes servem como reduto para muitas espécies de fauna, tanto aquática quanto florestal

As próprias lagoas também apresentavam uma quantidade considerável de vegetação aquática, com ninféias, pastos aquáticos (alimentos preferidos dos peixes-boi!) e juncos. Mais perto do mar, as restingas de areia dão suporte a comunidades de palmeiras, mangues, Scaevola sp. algumas lianas Apocynaceae interessantes.

Por fim, na costa se encontram incríveis praias de areias brancas e água muito azul, entrecortadas por recifes de corais atuais e antigos. A vegetação da praia apresenta muitas plantas adaptadas à salinidade, como Salicornia, Strumpfia, Borrichia, FImbristylis e outras. Vi alguns animais que eu nunca tinha visto antes, como corais-górgona, algas Rhodomelaceae, arraias e crocodilos!!!! (que preferem estuários de rios).

Por fim, queria falar do muito que pensei sobre o turismo em Yucatán. A região foi planejada como zona turística pelo governo mexicano nos anos 70, quando foi feito um estudo da melhor área para praias no país e a cidade de Cancún foi construída do zero. Isso gerou um boom enorme e vertiginoso de turismo principalmente Norte-Sul para a região, com luxuosos resorts. Tulum, 100km mais ao sul, também viveu essa onda, mas como a cidade era mais antiga, formou-se uma "fachada turística" na avenida principal, e os habitantes da cidade ficam a duas quadras. Alguns lugares como o parque Xel-ha, parecem a princípio ser ótimos exemplos de investimento ecoturístico, com atrações baseadas na natureza, uso responsável de recursos, e conscientização dos visitantes acerca da biodiversidade e sociodiversidade da região. Porém, os preços totalmente restritivos e a falta de inclusão da população são limites para esse exemplo; honestamente fiquei muito dividido. No geral a mata da península é bem preservada e pouco fragmentada, mas cada cidade turística é um centro para desmatamento em "espinha-de-peixe"

Posted on June 17, 2024 05:18 AM by luisfelipe4 luisfelipe4 | 70 observations | 0 comments | Leave a comment

June 20, 2024

Yucatán pt. 3 - Famílias zoológicas e suas relações

Um resumo das famílias de animais que eu vi aqui e nunca tinha visto antes. E alguns outros clados com implicações biogeográficas interessantes.

Cob-há e seus arrededores

Stephanidae (vespa comprida em uma árvore, nas ruínas de Cob-ha):
Cosmopolita, concentrada nos trópicos. Reconhecíveis por seus ocelos em uma "coroa" mais alta, no dorso da cabeça. Era um macho, então não tinha o grande ovipositor característico. As fêmeas se especializam em botar ovos nas larvas de besouros que vivem dentro das árvores. São inclusive usadas como controle biológico em alguns lugares.

Geoemydidae e Emydidae (tartaruga de criação na casa do dono de um restaurante):
Eu vi o único gênero de Geoemydidae presente nos Neotrópicos; os outros são da América do Norte ou do velho mundo. Desovam muitas vezes ao ano, em pequenas ninhadas (estratégia r?) e apresentam uma ampla gama de hábitats. Emydidae por sua vez tinham uma distribuição oposta: um gênero no velho mundo e o resto nas Américas, desde o Canadá até a Argentina. Só tinha visto a espécie doméstica (Trachemys scripta) e foi muito interessante ver um parente tão próximo dessa velha conhecida no seu local de origem.

Phasianidae (o lindo pavo silvestre, andando confiantemente pelas ruínas)
Nunca tinha visto um Phasianidae selvagem, já que eles não ocorrem naturalmente na América do Sul. Essa família é muito conhecida, incluindo codornas, galinhas e perus, mas tem alguns outros membros incríveis, com essas penas e peles de cores absurdas e eu fiquei um bom tempo parado na frente desse bicho, olhando a luz refletindo nas multicores das penas, quando vi ele tranquilamente passeando entre os turistas. Ele não só parecia acostumado com os turistas como até partiu para cima de mim quando eu cheguei perto demais.

Muyil, as ruínas, as cavernas e a mata alagada

Phrynidae (amblipígio, em uma pequena caverna em Muyil):
Nunca tinha visto um Amblypygi antes!! Eles são incríveis, não só pelo tamanho que alcançam mas também pela sua aparência amedrontadora. Habitam todos os trópicos, mas nas Américas só entre o Norte de Minas e o sudoeste dos EUA. Eram bastante comuns nas cavernas da península, e provavelmente substituíam os opiliões Goniosomatinae abundantes nas cavernas do Brasil. Se isso for verdade, eles devem ser detritívoros generalistas, com hábitos troglófilos a troglóbios. Apesar disso, eles são muito mais ativos e medrosos que opiliões, que nem se quisessem poderiam correr para se esconder como fazem os amblypygi.

Mayagrillus (grilo-aranha, cavernícola, em Muyil):
Esse Phalangopsidae provavelmente ocupa o nicho dos Endecous e Eidmanacris nas cavernas do Sudeste. Quis por aqui por esse dado bioespeleológico e pelo nome legal.

Emballonuridae (morcego-perro, na mesma caverna):
Eles ocorrem em todas as regiões tropicais, e esse mesmo gênero (Peropteryx) está presente nas cavernas do Alto Ribeira! Talvez eles sejam especializados em cavernas carbonáticas, porque não ocorrem em Valinhos.

Neocyclotidae (concha de caracol na floresta alagada de Muyil):
Distribuição pantropical. Caracóis terrestres com opérculos no pé e guelras em vez de pulmões. Não entendo nada de Gastropoda então não sei dizer alguma coisa sobre seu nicho. Sua concha me chamou a atenção por ser o meio termo entre uma espiral plana e um cone.

Annulariidae (caracol no banheiro do centro de visitantes de Muyil):
Essa família é endêmica do Caribe! Suas conchas são alongadas e pequenas, me lembrando alguns Orthalicoidei do Brasil. Talvez tenham um nicho ecológico similar, mas de novo eu não sei nada de caracóis.

Atelinae (se balançando sobre as ruínas)
Observei um Ateles geoffroyi, macaco-aranha nativo da América Central, desde o norte da Colômbia até o sul do México. Aparentemente ele é substituído por outra espécie, A. fusciceps, nos Andes colombianos, e depois por muitas espécies na planície Amazônica. Ele não parece ser muito especialista em algum ambiente em específico, talvez pela falta de competição de outras espécies.

Recifes de Yucatán

Plagusiidae (um caranguejo de um recife de coral de Sian Ka'an):
Outra família pantropical. São parentes próximos dos Grapsidae, mas convivem com eles na maior parte da distribuição. Isso me faz pensar que existe diferenciação de nicho, mas também achei poucas informações sobre isso. É possível que essa família seja parafilética, então talvez não se tenha muitas informações.

Octocorallia (os corais moles, inclui as górgonas e Elliseliidae):
O grupo é caracterizado pela presença de um esqueleto ramificado e em muitos casos bidimensional, formando lindos leques coloridos cheios de pólipos 8-simétricos. Ambas as famílias que eu vi são pantropicais, com grande diversidade no Caribe e na Australásia.

Chitonidae (quitones, bastante comuns nas piscinas de maré e recifes):
Reconhecíveis por suas 8 placas dorsais. Essa família tem uma distribuição muito estranha: é amplamente distribuída pelo globo, tanto em regiões temperadas quanto tropicais, em todos os lugares do mundo EXCETO no Atlântico brasileiro e africano. Isso me faz pensar em uma distribuição global Gondwânica, e que por algum motivo eles não foram capazes de colonizar a nova costa que se abriu no Cretáceo. Talvez isso seja por exclusão competitiva com os Ischnochitonidae, que dominam as costas do Brasil e são os mais familiares para mim (na África é difícil afirmar qualquer coisa pela falta de amostragem).

Pocilloporidae (coral pequeno e redondo, nos recifes de Sian Ka'an):
Mais uma família com distribuição pantropical, mas com um tanto de representantes no Mediterrâneo. São basicamente presentes em todos os recifes de coral do mundo, com grande diversidade no Caribe e na Australásia.

Lucinidae (concha de mexilhão nos recifes de Sian Ka'an):
Que família interessante! Distribuição cosmopolita (exceto Antártida), tropical, temperada e polar. As conchas em geral tem borda arredondada e linhas concêntricas, mas a característica principal é endossimbiose com bactérias oxidantes de sulfato. As bactérias vivem em órgãos especializados e oferecem nutrientes em troca de proteção e um aporte constante de sedimentos ricos em enxofre. Essa característica permitiu que essa família, no cretáceo superior, sofresse uma irradiação evolutiva, pois foram capazes de colonizar mangues e pastos marinhos, ambos com solos ricos em enxofre.

Mellongenidae (conchas bonitas e espinhudas na areia):
Não consegui encontrar muita informação sobre essas, mas parecem ter uma distribuição cosmopolita, com algumas espécies de água doce. As conchas quase sempre tem ornamentações interessantes e elas tem hábitos bentônicos.

Labridae (peixe tímido nadando nas piscinas de maré)
Peixes pequenos e carnívoros, geralmente coloridos, habitam o mundo inteiro mas seus centros de diversidade são as zonas coralíferas. No geral eles sempre vivem seguindo peixes maiores e suas trilhas de restos de comida ou perto do substrato, como o que eu vi em Xel-ha.

Estuários de Yucatán

Ordem Crocodylia (boiando calmamente sob uma ponte sem parapeito em Sian Ka'an):
A ordem não precisa de introdução. Eu vi dois indivíduos, boiando preguiçosamente no estuário sob a estrada que leva à Punta Allen em Sian Ka'an. Um deles segue sem identificação, mas o outro é um Crocodylus acutus. Esta espécie é encontrada no sul dos EUA, no Caribe e América Central, e no Norte da América do sul até os mangues de Tumbes, no Peru; por ser tolerante a águas doces, salobras e salgadas, pode habitar muitos ambientes diferentes. Porém, sempre perde para o Crocodylus rhombifer onde este ocorre.

Colubridae (cobra nariguda verde, engolindo um Mimus gilvus em Xel-ha):
Sou muito ruim em ver qualquer animal arbóreo que não faça muito barulho. Por sorte alguém me apontou essa cobra incrível que estava só a 3m de altura engolindo um pássaro. Eu já tinha visto outra colubridae, mas só uma cobra-cipó marrom e terrestre, nunca alguma dessas verdes e arbóreas. Tinha que me acostumar a olhar mais para cima. Essa espécie (Oxibelis fulgidus) ocorre desde Yucatán até a Amazônia.

Ordem Sirenia (peixes bois tão grandes que pareciam pedras, pastando em Xel-ha):
Também não precisam de introdução. Foi de tirar o fôlego ver esses animais em seu ambiente natural, eles são absolutamente enormes, muito muito fofos e calmos. Essa espécie vive em água salgada, salobra e doce, nas costas desde a Florida até o Sergipe, e se alimenta de pastos aquáticos, raízes de mangues e algas. Este indivíduo estava em semi-cautiveiro: seu hábitat original foi cercado e ele não podia sair, mas ele recebia comida regularmente.

Chondrychthes (uma arraia na praia rasa do estuário de Xel-ha, minha primeira vez vendo uma :)
Nunca tinha visto nenhum peixe cartilaginoso! As arraias que eu vi eram da família Potamotrygonidae, a mesma família das arraias venenosas da Amazônia. Esse gênero (Styracura) pertencia a outra família até 2016 e são os únicos membros marinhos no grupo. Algumas modificações como o veneno estão ausentes, o que me faz pensar que o grupo é basal na família, e além disso seu hábitat marinho faz pensar que essa é a condição ancestral do grupo.

Pelecanidae (pelicanos nas praias, recifes e estuários da costa):
Outro grupo que não precisa de introdução. O que mais me chama atenção, na verdade, é o fato de que até esse momento eu nunca tinha visto um. Eles são praticamente ausentes da costa leste da América do Sul, e não consegui encontrar motivos. Aparentemente eles existiam na Argentina até Mioceno (Noriega et al. 2023) e desapareceram quando se fechou o mar interior do Chaco-Paraná. Talvez seja competição com outra ave que ocupe o mesmo nicho? Ou algum peixe?

Albulidae (no estuário de Xel-ha, nadando em cardumes pequenos):
Peixes tropicais e subtropicais do mundo inteiro. Se alimentam de invertebrados bentônicos em bancos de areia e lama, em águas salobras. Sua boca é um pouco ventral e usam seu "focinho" para escavar o substrato.

Kyphosidae (muito comuns em Xel-ha, mas quase sempre nadando sozinhos):
Mais uma família cosmopolita, com maior diversidade em áreas coralígenas. A família no geral também se alimenta de benton, mas o que eu vi comia algas. Esse padrão de distribuição parece ser bem comum, provavelmente pela falta de barreiras de distribuição no mar.

Belonidae (peixes-crocodilo, que nadavam sempre perto da superfície)
Cosmopolita. Esses peixes chamam a atenção por sua boca alongada como um Garial, que é cheia de dentes e é usada para caçar peixes menores que nadam perto da superfície. Teoricamente sua coloração é críptica mas era muito fácil vê-los de cima e de lado. Devem ser um ótimo petisco para um biguá.

Lutjanidae (peixes de fundos arenosos ou rochosos, em Xel-ha):
Mesmo padrão de distribuição. Para ser sincero, é difícil se interessar muito por peixes ósseos. Esses também são carnívoros, se alimentando de invertebrados ou peixes menores.

Chichen Itzá, no bosque seco yucateco

Iguanidae (as iguanas negras, muito comuns nas ruínas maias, eram associadas ao submundo):
Uma família que estava na minha lista há muito tempo! Lagartos incríveis, grandes e rápidas como um teiú. Esse nicho dos lagartos grandes, rápidos e terrestres me interessa bastante: parece que na faixa tropical e subtropical do mundo inteiro existe algum lagarto com essa ecologia, e são várias famílias bem distantes! No sul da América do Sul, a leste dos Andes, é Salvator merianae, e do outro lado dos Andes vemos Callopistes maculatus (ambos Teiidae). No Caribe e América do Norte, os Iguanidae tomam o lugar e são muito comuns. Enquanto isso, no velho mundo quase inteiro, os Varanidae reinam (com exceção das ilhas Canárias, onde os Lacertidae ficaram enormes, nas Fiji onde as iguanas chegaram, e alguns Agamidae nas partes mais áridas). Notoriamente, alguns locais contam com uma diversidade considerável de lagartões: no Norte do Perú/Sul do Equador convivem Teiidae (Callopistes flavipunctatus) e Iguanidae (Iguana iguana). Minha hipótese é de que nesses locais, as iguanas acabam ficando mais arborícolas, como diferenciação de nicho. Talvez o mesmo ocorra na Amazônia, onde ocorrem não só 2, mas pelo menos 4 espécies (Iguana iguana, Tupinambis teguixin, Tupinambis cuzcoensis e Dracaena guianensis).

Phrynosomatidae (pequenos lagartos correndo entre as ruínas da velha estrada maia (sacbé):
Lagartos pequenos, gostam de vegetação mais aberta e são restritos à América do Norte e Central. É uma família bem comum no continente, com representantes icônicos como os lagartos espinhudos, que choram sangue. Queria ver mais dessa família algum dia.

Posted on June 20, 2024 01:57 AM by luisfelipe4 luisfelipe4 | 30 observations | 0 comments | Leave a comment

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